O eterno ciclo de não pertencer em Vidas Passadas (2023) de Celine Song.

   Olá pessoal 

  O texto de hoje não é sobre resenhar um filme indicado ao Oscar 2024, "Vidas passadas" lançado pela A24 e que teve uma campanha que colocou em algumas categorias. Partir de uma leitura sobre a narrativa e que nem todo mundo pode ver essa linha de pensamento, - claro que pensando em público geral de todo gênero, raça e cor -, a ideia de migração e como os afastamentos das raízes de onde se sai e da adaptação ao novo lugar nos desloca no tempo e espaço, o fato de não pertencer que é só entendido quando se compara pessoas que ficaram, e a vida depois no seu novo país. 

    Na trama com tons autobiográficos, a história de Na Young que sai criança da Coreia do Sul aos oito anos para a América do norte já como Eleonora reduzindo a Nora Moon, primeiramente o Canadá que é a escolha do seus pais e depois como adulta de viver em Nova Iorque. Desde a globalização, a questão de imigrar tem duas características claras que é ser voluntário em busca de outra situação e a forçada como questão de guerra, política ou doença; Então partimos deste lado da ponte onde pode se pagar para ir legalmente para outro lugar e ter uma perspectiva menos sofrida em relação ao tema que é sensível ao redor do globo. 

   Iniciando a analise é como enxergar uma cor que ninguém vê, a sensação de ser imigrado ou família de quem fez isso décadas atrás, a sociedade nos coloca como no futebol: o conceito de casa x fora, o estrangeiro é quem "não pertence aquele território e cultura". Imagina a sensação de estar no meio do caminho entre ser aceito e te lembrarem o tempo todo que supostamente sua raiz não é aqui, mas no oriente onde você nunca esteve e que seus pais carregam tão pouco no cotidiano. Essa é a base sobre qual podemos olhar o filme nas suas nuances sobre pertencimento e combate dentro da própria personagem. 

   Na Young (Nora Moon) é a encarnação de uma pessoa cosmopolita e que sendo dramaturga esta no centro do seu mundo profissional,  no âmbito pessoal é como qualquer outro filho(a) de imigrante que carrega nos traços, sobrenome a sombra do passado, a chegada de Hae Sung é o espectro Sul Coreano dos dias de hoje que ela não pertence mais, e como o contrapeso da sua vida atual é a presença do marido Arthur que é Norte Americano - Judeu e Branco -, assim a divisão sobre sentimentos mistos de amor ou conexão. Nora tem o peso de uma relação cortada com o país e alguém que deixou na infância, e questiona a própria situação como uma asiática americana casada com um homem local que sabe q ter pontos em que não há como ter acesso como a língua e as vivências em outro lugar, citando uma fala importante " as vezes você sonha falando em coreano". 

  A trama se desenvolve em como ela desenrola esse novelo de histórias e que o alívio final dela é uma carga a menos para se lidar, o fato é que nem todos tem a chance de se resolver com esta sina de imigrar que é rever seus dilemas do passado, como numa citação a "Bem vindos de volta" de Marcos Yoshi é que como seus pais acharam que ficariam 5 anos e ficaram mais de duas décadas no Japão perdendo o contato com os filhos, a transformação de virar por completo um "local" se dá quando se esquece que este povo é um membro de fora, os europeus tomaram todos os continentes e há brancos por toda a parte, os povos originários da América e da Oceania eram povos indígenas e aborígenes, a África do Sul era majoritariamente Negra

  O personagem Hae Sung é um estereótipo asiático do ultra capitalismo que existe no Japão, Coreia do Sul e outros países, trabalhador e rígido como as regras deste mundo que é composto deste sucesso como o guia de vida. A partir de seus olhos, vemos a visão de uma Coreia que esta viva e tem seus hábitos culturas em relação a casamento, relacionamento e cotidiano, é muito importante as cenas que ele mostra como as coisas estão chatas ou correndo dentro da normalidade. 

    No caso do Arthur é só mais homem bom da "América" dos norte americanos, mas diferente de um perfil fechado (Possessivo, Xenofóbico), aparenta ser contemporâneo e tenta ser empático a visita do passado, busca aprender a língua da esposa e age amigavelmente a presença de Hae Sung, apesar de uma insegurança natural.  

    O filme passa nessa tensão, o amor da vida de nora é Arthur que é seu "In Yun", a presença de Hae Sung é como um outro "In Yun" e como isso flerta com o tema de triangulo amoroso. O significado final é maior que é sobre quantas vidas cabem dentro de uma: o passado na Coreia, uma jovem imigrante na escola e a pessoa bem sucedida que vive numa cidade cosmopolita. O fato é que apesar de toda evolução social que vemos, o papel dela como parte desta minoria imigrante nunca passou, ela não é totalmente "Americana", quase nada coreana e talvez lida como branca enquanto asiática americana.  

    A identidade de alguém que é constantemente lido como um outsider do próprio mundo, o caos que é fazer parte de qualquer comunidade estrangeira em outro país como ocorre no Brasil, EUA, Japão, e a Europa como um todo. Nessa história Sul Coreana de Celine Song tem traços disso, é um cinema comercial que chega em todo tipo de público, fala-se muito coreano e tem sensibilidade de mostrar pequenos choques culturais nos corpos e na sutileza de uma discussão de um casal na cama. 

     A cena final de choro do filme é cheia de interpretações, a minha é que todos temos lutos para lidar e como um texto de analise bem racial amarela, o ato de reconectar com esta parte que foi apagada de si mesma, a Na Young de oito anos e que era Sul Coreana, a visita do passado encarnado em Hae Sung que liberta desta nova figura que é Nora Moon que não podia se expressar, seja em Coreano ou em Inglês, assumir este limbo de viver entre dois mundo e escolher pela vida atual em Nova Iorque com a sensação de reconciliar com o passado, o famoso "e se...", é impossível chegar a uma solução que não seja só seguir em frente com a vida.

    O eterno ciclo de não pertencer, as pessoas não deixaram de se mudar de país e este sentimentos de estar perdido, esquecer os costumes e no final, ainda não ser recebido por este lugar e cultura. Tratarem como exótico a sua cultura ancestral, os traços físicos como os olhos, o cabelo, tom de pele, a boca e outros tem um peso de nos lembrar que preconceito é resposta natural ao medo de quem não se conhece ainda. O longa é sutil, uma boa experiência de cinema e mais um retrato de alguém que conseguiu ter como expressar as próprias dores do crescimento, a maior delas é ser um imigrante que não é o desesperado de fome, é o que sofreu com a vontade de alguém de sair e ter que recomeçar tudo em outro lugar.  

   É isso, pessoal 

  Até a próxima 



Comentários

confira :

A nossa necessidade de aparecer para o mundo

Um sujeito frio e calculista